terça-feira, 1 de março de 2011



AS QUARESMAS DE SÃO FRANCISCO









O termo “QUARESMA”, usado desde a antiguidade cristã, indica o período de quarenta dias que antecede imediatamente a celebração anual dos Santos Mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.


No primeiro dia da quaresma, o fiel recebe as cinzas enquanto ouve o apelo de Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Por que a Liturgia da Igreja estabeleceu quarenta dias de preparação para a Santa Páscoa do Senhor? A razão desse número nós a encontramos na Sagrada Escritura:



# Gn 7,17: “Durante quarenta dias houve o dilúvio sobre a terra”.

# Ex 17,35: “Os filhos de Israel comeram maná durante quarenta anos, até chegarem à terra habitada”.

# Ex 24,18b: “E Moisés permaneceu na montanha quarenta dias e quarenta noites”.

 # 1Rs 19, 8: Elias “ levantou-se, comeu e bebeu e, depois, sustentado por aquela comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites até à montanha de Deus, o Horeb”.

# Jn 3,4-5: “Jonas entrou na cidade e a percorreu durante um dia. Pregou então, dizendo: ‘Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída’. Os homens de Nínive creram em Deus, convocaram um jejum e vestiram-se de saco, desde o maior até o menor”.

# Mt 4,1-2: “Então Jesus foi levado pelo Espírito para o deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome”.



 O bem-aventurado Francisco, querendo em tudo conformar-se a Cristo, costumava preparar bem a sua alma para reviver os grandes Mistérios do Senhor que a Igreja celebra ao longo do ano em sua Divina Liturgia. Ele não se limitava a viver a “grande quaresma” em preparação à santa Páscoa. Antes de outras grandes solenidades, ele se recolhia nos eremitérios e se entregava por quarenta dias aos jejuns, orações e outras penitências. Os antigos documentos da Ordem atestam que o seráfico pai fazia cinco quaresmas por ano.



1 – A “Grande Quaresma”



Em união com toda a Santa Igreja, São Francisco se preparava com o maior empenho para celebrar anualmente a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.  Era para ele a quaresma das quaresmas! Ficou famosa aquela quaresma que, para imitar a Cristo no deserto, o santo se retirou numa ilha:



“Estando no território de Perúgia, perto do lago, fora hospedado em dia de carnaval em casa de um homem que lhe era devoto. São Francisco pediu-lhe por amor de Cristo que ele o transportasse a uma ilha do mesmo lago - na qual nenhum homem habitava –, a saber, na noite antes do dia das Cinzas, de tal modo que ninguém o percebesse. Aquele hospedeiro, por causa da grande devoção que tinha para com ele, realizou isto com mais diligência ainda; por isso levantou-se de noite, preparou o barco e no dia das Cinzas levou São Francisco à mencionada ilha. E São Francisco nada levou como alimento, a não ser dois pãezinhos.
Desembarcados na mencionada ilha, ele pediu a seu barqueiro que não revelasse isto a ninguém e que somente o buscasse de volta na Quinta-feira Santa. Tendo-se retirado da ilha o seu barqueiro, São Francisco permaneceu só; e já que aí não havia nenhuma habitação onde pudesse reclinar a cabeça, entrou numa densa sebe onde os espinhos haviam formado como que um tugúrio; e aí esteve imóvel toda a quaresma, sem comer e sem beber nada.


O predito hospedeiro buscou São Francisco de volta na Quinta-feira Santa, como havia combinado; e descobriu que, dos dois ditos pãezinhos, nada mais fora comido além da metade de um. Crê-se que São Francisco comeu esta metade para reservar para Cristo bendito a glória do jejum quaresmal e para expulsar com aquele pedaço de pão o veneno da vanglória; de modo que, a exemplo de Cristo, ele jejuou quarenta dias e quarenta noites.

No lugar em que São Francisco celebrou tão admirável penitência, realizaram-se pelos seus méritos muitos milagres; desde então, por causa de todas estas coisas, os homens começaram a edificar habitações naquela ilha e, decorrido pouco tempo, foi construído um grande e bom castelo, e também um eremitério dos irmãos, que se chama Eremitério da Ilha. Os homens daquele castelo ainda mostram grande reverência àquele lugar em que São Francisco celebrou a predita quaresma” (Atos do bem-aventurado Francisco e de seus companheiros, cap. VI).



2 – Quaresma do Advento do Senhor



A segunda quaresma antecedia a festa do Natal do Senhor. A partir do dia de Todos os Santos, São Francisco se preparava intensamente para celebrar a “festa das festas”. Na Regra da Ordem ele escreveu: “E jejuem desde a festa de Todos os Santos até ao Natal do Senhor” (RB 3,6).



Foi numa dessas quaresmas do Advento que São Francisco, estando no eremitério de Greccio, mandou preparar uma gruta para celebrar ali o nascimento de Jesus na humildade e na pobreza.



3 – Quaresma da Epifania


A terceira quaresma era aquela que o santo fazia após o tempo do santo Natal. “Com esta quaresma São Francisco pretendia estabelecer um laço entre o tempo do Natal e da Páscoa. Na realidade ela, muitas vezes, não durava quarenta dias e se inseria na “grande quaresma”. O homem evangélico havia intuído que Natal e Páscoa estão profundamente ligados entre si, representando como que dois pólos do único mistério da salvação” (Ludovico Profili, Dicionário Franciscano, Vozes, pg.628).


Na Regra da Ordem, São Francisco aconselhou:

 “A santa quaresma, porém, que começa com a Epifania e se prolonga por quarenta dias, a qual o Senhor consagrou com seu santo jejum, os que nela jejuarem voluntariamente sejam abençoados pelo Senhor, e os que não o quiserem não sejam obrigados” (RB 3,7).



São Boaventura nos informa que o seráfico pai: “dedicava-se sem interrupção às orações e louvores de Deus, desde a Epifania, por quarenta dias sucessivos – a saber, naquele tempo em que Cristo se escondeu no deserto -, retirando-se a lugares solitários e recolhendo-se na cela, com maior restrição possível de alimento e de bebida” (LM9,2).




4 – Quaresma de São Miguel



A quarta quaresma era feita em honra do arcanjo São Miguel, devoção especial de São Francisco. “Esta quaresma é característica própria do Seráfico contemplativo. Não a impôs nem mesmo a aconselhou a seus irmãos. Qui-la somente para si” (L. Profili, Dic. Franciscano, Vozes, pg. 629).



Esta quaresma era iniciada na festa da Assunção da Virgem Maria e terminava na festa do arcanjo: São Francisco “venerava com o maior afeto os anjos que estão conosco... Dizia que estes companheiros devem ser reverenciados em toda parte e que estes guardas devem ser invocados. (...) Dizia muitas vezes que São Miguel devia ser mais excelentemente honrado, pelo fato que este tinha o ofício de apresentar as almas a Deus. De fato, em honra de São Miguel, jejuava com muita devoção por quarenta dias entre a festa da Assunção e a festa dele.” (2 Celano 197).



5 – Quaresma que ia da festa dos Apóstolos Pedro e Paulo até à Assunção da Virgem Maria


“A última das quaresmas vividas pelo valente atleta de Cristo é expressão de sua profunda piedade eclesial. O início desta quaresma, no dia da festa dos Apóstolos Pedro e Paulo, exprimia a exigência de comunhão com a sagrada hierarquia, particularmente com o papa, sinal da unidade e da universalidade da Igreja. A conclusão no dia da festa da Assunção acentuava a verdade de fundo da devoção a Nossa Senhora: Maria é figura da Igreja” (L.Profili, Dic. Franciscano, Vozes, pg. 629).



São Boaventura nos informa que o santo pai “Cercava com indizível amor a Mãe do Senhor Jesus, pelo fato que ela fez com que se tornasse irmão nosso o Senhor da majestade, e por meio dela alcançamos misericórdia. (...) Jejuava com muita devoção em honra dela desde a festa dos apóstolos Pedro e Paulo até a festa da Assunção. (...) Abraçando com a máxima devoção todos os apóstolos, principalmente Pedro e Paulo (...) e por reverência e amor para com eles, dedicava ao Senhor o jejum de uma quaresma especial (Legenda Maior 9,3).



       São Francisco reservava, portanto, bem mais da metade de cada ano a esses retiros quaresmais: “durante duzentos dias por ano ele passava na solidão ou no retiro, rezando e mortificando-se, longe dos homens e perto de Deus. Desta maneira empregava dois terços de seu tempo na contemplação e somente um terço nas lides apostólicas. Durante um período aproximado de vinte anos, assim, ele mudou a face do mundo” (L. Profili, Dic. Franciscano, Vozes, pg. 630).



CARACTERÍSTICAS DAS QUARESMAS DE SÃO FRANCISCO



MORTIFICAÇÃO – o seráfico pai se mortificava para que morresse nele o “homem velho” e nascesse o “homem novo”. São Francisco “ao mortificar a própria carne, não o faz por ódio e sim por amor. Levar a própria natureza, com duros jejuns e prolongadas vigílias, da animalidade à espiritualidade, significa amá-la da forma mais verdadeira” (L. Profili, Dic. Franciscano, Vozes, pg. 630).




DESERTO – São Francisco refugiava-se nos bosques, nas montanhas, nas grutas para se ocupar somente de Deus. Ficava longe até mesmo de seus frades a quem tanto amava.







POBREZA – O seráfico pai queria que a senhora Pobreza reinasse soberana nos lugares de seus retiros.







BELEZA E ALEGRIA DAS CRIATURAS – “O amor de São Francisco pela pobreza não o impedia de admirar todas as criaturas, de degustar o que é bom e belo proclamado pela harmonia do universo. Não queria possuir coisa alguma, precisamente porque desejava gozar livremente de todas. Livre de toda cupidez estava em adequadas condições para ouvir a voz das criaturas, cercá-las de amor e elevá-las com Cristo a Deus Pai. Por este motivo, para realizar as suas quaresmas, Francisco escolhia o verde das selvas, a verdade das ervas e das flores, o canto dos pássaros, a vastidão dos horizontes, que facilitavam seu impulso contemplativo e revestiam de cunho alegre seus jejuns e suas mortificações” (L. Profili, Dic. Franciscano, Vozes, pg. 631).



PAX ET BONUM!

   


Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.