segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


 
FRANCISCO, O CANTOR DE DEUS
 
 

 
 
A beleza do canto, da poesia e da música em geral teve um lugar significativo na vida do nosso pai São Francisco. Ele se tornou o trovador de Deus, o cantor das criaturas e o poeta apaixonado pela dama pobreza. Nos momentos luminosos e nos sombrios, nas horas de dor e de alegria ele nunca desistiu de fazer de sua vida um jubiloso canto ao seu Criador.
 
 
 

 
Antes da conversão, o jovem Francisco já demonstrava predileção pelo canto. A Legenda dos Três Companheiros afirma que ele era “aficionado aos divertimentos e aos cânticos” (LTC 2,3). Esta mesma obra nos oferece uma cena que ilustra muito bem como deveria ser a vida secular deste jovem: “Mandou que se preparasse um suntuoso banquete, como muitas vezes o fizera. Quando já refeitos, saíram da casa e os companheiros todos juntos o precediam, indo pela cidade a cantar” (LTC 7,2-3).
 

Ao dar-se a sua conversão, ele não abandonou seu gosto pelo canto. Pelo contrário, nova inspiração nasceu do seu encontro com o Cristo e seu Evangelho. Tomás de Celano após nos contar como se deu o rompimento de Francisco com o seu pai, Pedro de Bernardone, apresenta-nos um santo que gostava de cantar: “Vestido agora com andrajos aquele que outrora usava escarlate, ao caminhar por um bosque e cantar os louvores ao Senhor em língua francesa, de repente ladrões caíram sobre ele” (1Celano 16,1). Este mesmo autor nos diz que, depois de ter sofrido algumas agressões por parte desses salteadores, São Francisco “alegrando-se com grande júbilo, começou a cantar em alta voz pelos bosques louvores ao Criador de todas as coisas” (1Celano16,4).
 
 
 

 
Durante toda a sua vida, especialmente em momentos de grande exultação, o santo de Assis se exprimia através do canto. Um detalhe registrado por todos os seus principais biógrafos se refere ao idioma utilizado por São Francisco nestes momentos: “Quando fervia dentro dele a mais suave melodia do espírito, ele a expressava exteriormente em língua francesa” (2Celano 127,2). E como se não bastasse o próprio canto, ele acrescentava o instrumento e a dança: “De vez em quando, como vi com meus próprios olhos, ele colhia do chão um pedaço de pau e, colocando-o sobre o braço esquerdo, mantinha um pequeno arco curvado por um fio na mão direita, puxando-o sobre o pedaço de pau como sobre um violino e, apresentando para isto movimentos próprios, cantava em francês cânticos sobre o Senhor. Frequentemente, todas estas danças terminavam em lágrimas, e este júbilo se convertia em compaixão para com a paixão de Cristo” (2Celano 127,3-4).
 
 
 

 
Quem não se lembra daquela noite santa de Gréccio, quando o santo com seus frades e demais fiéis entoaram cânticos ao Menino de Belém? Descreve o biógrafo: “O bosque faz ressoar as vozes, (...) os irmãos cantam, rendendo os devidos louvores ao Senhor, e toda a noite dança de júbilo. O santo de Deus está de pé diante do presépio, cheio de suspiros, (...) e com voz sonora canta o Evangelho. E a voz dele, de fato, era uma voz forte, voz doce, voz clara e voz sonora, a convidar todos aos mais altos prêmios” (1Celano 85-86).
 
 
 

 
O canto e a música não só estavam presentes nos momentos de júbilo e exultação de nosso pai São Francisco. Nos momentos sombrios e dolorosos, também encontramos um santo que se deixa iluminar pelo canto que brota de seu coração. Quando esteve muito doente dos olhos, fazendo um tratamento em Rieti, pediu um favor a um de seus frades: “Eu gostaria, portanto, irmão, que trouxesses em segredo uma cítara de empréstimo, com a qual, fazendo algum canto honesto, desses algum alívio ao irmão corpo cheio de dores” (2Celano 126). Como o referido irmão não achou conveniente voltar a utilizar o instrumento que tocava antes de sua conversão, na noite seguinte o santo ouviu misteriosamente uma melodia vinda daquele instrumento: “Já que não pude ouvir as cítaras dos homens, ouvi uma cítara mais suave” (2Celano 126,10). Não esqueçamos que foi numa noite de terríveis tormentos, já cego e muito doente, que este santo compôs o seu mais belo cântico, chamado por ele de “Cântico do Irmão Sol”.
 
 
 

 
São Francisco também via no canto um meio para levar a mensagem de Cristo ao mundo. Na Compilação de Assis se afirma que, após compor o Cântico do Irmão Sol, o santo desejou enviar Frei Pacífico, excelente músico, com alguns frades a ir pelo mundo a pregar e louvar a Deus. Primeiro falariam ao povo e depois cantariam os louvores de Deus. No final o pregador deveria dizer ao povo: “Somos os jograis do Senhor” (CA 83,27).
 
 
 

 
O canto, que sempre fora seu companheiro, esteve com ele até ao derradeiro instante de sua vida terrena. Tomás de Celano nos conta que, sabendo da proximidade da irmã morte, o seráfico pai: “chamou a si dois irmãos e filhos seus prediletos, ordenando-lhes que cantassem em alta voz e na exultação do espírito os Louvores ao Senhor pela morte próxima” (1Celano 109). Nos seus últimos dias, São Francisco se preparou para a morte entoando salmos e outros louvores a Deus.
 
 
 

 
Portanto, aprendamos também nós, em toda e qualquer situação, a elevar a Deus um hino de louvor e gratidão. Que o nosso canto transborde de um coração cada vez mais purificado, iluminado e unido a Deus que é Pai e Filho e Espírito Santo.
 
 

Pax et bonum!
 

 

 

Frei Salvio Romero, eremita capuchinho

 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Alegria Franciscana





Um dos traços mais bonitos da espiritualidade franciscana é a busca sincera pela verdadeira e perfeita alegria. O seráfico pai São Francisco procurava em toda e qualquer situação seguir bem de perto aquele preceito paulino que diz: “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 4,4). Quem não se comove quando escuta o relato da perfeita alegria? Quem não se encanta com a cena do Natal de Gréccio, quando o santo, radiante de alegria, cantou o Evangelho e pregou sobre o Menino de Belém? Saudável ou doente, atribulado ou tranquilo Francisco procurou sempre conservar dentro de si uma profunda e santa alegria.



Todos os antigos testemunhos sobre São Francisco nos apresentam um homem que traz em si uma forte emotividade. Quando estava radiante de júbilo, cantava em francês. Quando se lembrava da Paixão de Jesus, chorava copiosamente. Diante da beleza das criaturas ele exultava no Senhor, e convidava a todos ao louvor. Foi o cantor do irmão sol, da irmã lua, das estrelas e até da irmã morte. Foi o santo da espontaneidade, da ternura, da liberdade, que não receou em pedir à senhora Jacoba, bem próximo de sua morte, que lhe trouxesse algumas iguarias preferidas.




Para este santo as criaturas nunca foram obstáculos para o perfeito amor a Deus. Pelo contrário, ele se irmanou a todas elas e enxergou em cada uma os traços do Criador. Tomás de Celano nos informa que certa vez São Francisco, passando pelo vale de Espoleto, e vendo inúmeras aves “correu alegremente até elas, tendo deixado os companheiros na estrada (...) repleto de enorme alegria, rogou-lhes humildemente que ouvissem a palavra de Deus” (1Celano 58). Este mesmo autor nos diz que São Francisco “enchia-se muitas vezes de admirável e inefável alegria, quando olhava o sol, quando via a lua, quando contemplava as estrelas e o firmamento” (1Celano 80).




Outro motivo de alegria para São Francisco era a companhia de seus irmãos. Celano nos diz que, quando frei Bernardo, primeiro companheiro do santo, se converteu, “São Francisco alegrou-se com júbilo muito grande com a chegada e a conversão de tão grande homem” (1Celano 24). Essa mesma alegria ele sentia com a chegada dos demais irmãos (cf. 1Celano 31). E quando ouvia boas notícias a respeito de seus frades? Ele sentia sua alma banhada de santa de alegria. Certo dia, depois de ouvir exemplos edificantes dos frades da Espanha, exclamou: “Graças vos dou, Senhor, santificador e guia dos pobres, que me alegraste com esta notícia a respeito de meus irmãos” (2Celano 178).




Para São Francisco a simplicidade, a pobreza e a humildade devem ser vividas alegremente: “Onde há pobreza com alegria, aí não há nem ganância nem avareza” (Admoestação 27). Também a companhia dos mais pobres e simples deveria ser fonte de alegria para os irmãos menores: “E devem alegrar-se, quando conviverem entre pessoas insignificantes e desprezadas, entre pobres, fracos, enfermos, leprosos e os que mendigam pela rua” (Regra não Bulada 9).




Na Regra mais antiga da Ordem há um conselho do santo que diz: “E cuidem para não se mostrar exteriormente tristes e sombriamente hipócritas; mas mostrem-se alegres no Senhor, sorridentes e convenientemente simpáticos” (Regra não Bulada 7). O próprio santo tinha o cuidado de não ficar triste diante dos seus irmãos. Certa vez, morando em Santa Maria dos Anjos, sofreu por dois anos uma terrível tentação. Diz um antigo hagiógrafo: “Em vista disso, era tão atormentado na mente e no corpo que, muitas vezes, se afastava da companhia dos irmãos, porque não podia mostrar-se a eles alegre como costumava” (Espelho de Perfeição 99).




Tomás de Celano afirma que São Francisco “esforçava-se por manter-se sempre na alegria do coração, por conservar a unção do espírito e o óleo da alegria. Com o máximo cuidado evitava a péssima doença da tristeza” (2Celano 125,7-80). Este mesmo autor nos informa que o seráfico pai ensinava aos frades que “os demônios não podem ofender o servo de Cristo, quando o virem repleto de santa alegria” (2Celano 125,5).





Que o Pobrezinho de Assis nos ajude a conservar um coração sereno e alegre, pobre e generoso, aberto para Deus e para os irmãos. Contagiados pela alegria franciscana, saiamos pelo mundo cantando a paz e o bem.



Pax et Bonum




Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.

sábado, 13 de outubro de 2012


O Senhor me deu irmãos

 

 
Quando São Francisco iniciou sua vida de penitente (conversão), não havia ainda em seu coração a intenção de fundar uma Ordem de frades. Ele não teve inicialmente a preocupação de encontrar seguidores. A chegada dos primeiros companheiros foi, de fato, um presente de Deus e uma confirmação daquilo que ele estava buscando. Por isso, quando ele escreveu o seu Testamento, já no final de sua vida, ele se recorda deste momento singular:
 

“Depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu deveria viver segundo a forma do santo Evangelho” (Testamento 14).
 

 

Podemos dizer então que foi com a chegada dos dois primeiros companheiros do seráfico pai, o Frei Bernardo de Quintavalle e o Frei Pedro Cattani, que o movimento franciscano nasceu. Enquanto esteve sozinho, São Francisco não teve total clareza do modo de vida que deveria seguir. Foi na fraternidade que ele recebeu de Deus a “revelação” de sua forma de vida.
 

 

 
 As fontes franciscanas, cada qual a seu modo, relatam para nós como foi a chegada dos primeiros frades. Uma das fontes mais antigas, chamada de Anônimo Perusino, fala de como São Francisco com seus dois companheiros encontraram no Evangelho a forma de vida que Deus tinha reservado para eles:

“Foram, portanto, a uma igreja da mesma cidade e, entrando nela, ajoelhados humildemente em oração, disseram: ‘Senhor Deus, Pai da glória, nós vos rogamos que, por vossa misericórdia, nos mostreis o que o que devemos fazer’. Terminada a oração, disseram ao sacerdote da mesma igreja que aí estava presente: ‘Senhor, mostra-nos o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo’. E, quando o sacerdote abriu o livro, porque eles não sabiam escolher, encontraram logo a passagem onde estava escrito: Se queres ser perfeito, vai e vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus (Mt 19,21). Folheando  de novo, encontraram: Quem quiser vir após mim (Mt 16,24), etc. E folheando novamente, encontraram: Nada leveis pelo caminho (Lc 9,3), etc. Ao ouvirem isto, alegraram-se com regozijo muito grande e disseram: ‘Eis o que desejávamos, eis o que procurávamos’. E disse o bem-aventurado Francisco: Esta será a nossa Regra”. Em seguida, disse aos dois: ‘Ide e, da maneira como ouvistes, realizai o conselho do Senhor”. (Anônimo Perusino 10-11).
 

 

 
São Francisco nem podia imaginar a multidão de irmãos e irmãs que iria segui-lo. Desde o início ele sempre teve a consciência muito clara sobre o valor da vida fraterna. Quando lemos a Regra que ele escreveu para seus frades ou qualquer um outro escrito seu, percebemos de imediato a sua aguçada sensibilidade fraterna. Nenhuma outra Regra para monges ou religiosos está tão enriquecida de amor fraternal, de zelo pelo outro, de cuidados maternais como a de São Francisco de Assis. Segundo grandes estudiosos, o modo como ele entendeu e viveu a fraternidade é o coração de sua espiritualidade. A fraternidade seria o elemento fundamental para a vivência do carisma franciscano, chegando a ser maior mesmo do que a vida “sem nada de próprio”.
 

 

 
Num mundo onde prevalece um individualismo muito forte, onde os laços fraternos se desfazem com muita facilidade, a mensagem do Pobrezinho de Assis se torna cada vez mais necessária e urgente . Certamente aquele que se fez irmão de todos tem muito a nos ensinar.

Paz e Bem

Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Eremitismo Franciscano



O carisma franciscano encontrou na vida eremítica um ambiente natural e fecundo onde ele pôde se expressar com vigor e originalidade.  Não esqueçamos de que os eremitérios tiveram grande peso espiritual na vida e na história de São Francisco e de sua Ordem. Como falar do seráfico pai e dos seus primeiros companheiros sem mencionar suas experiências de solidão contemplativa nos eremitérios?



Porém, para compreendermos melhor o eremitismo na Ordem de São Francisco, é preciso situá-lo dentro do desenvolvimento da própria vida eremítica na história da Igreja. Só assim, perceberemos a sua originalidade e a sua importância para a vivência do carisma franciscano.




Durante o primeiro milênio da era cristã, prevaleceu no mundo ocidental um eremitismo ligado diretamente às Ordens Monásticas. A Regra de São Bento determina que o eremita deve ser  aquele monge que, depois de um longo período de vida comunitária, recebe permissão de seu abade para retirar-se à solidão em busca de uma maior perfeição cristã. Geralmente, esses eremitas monásticos passavam a viver em pequenas celas dentro do próprio mosteiro ou nas suas proximidades, e não exerciam nenhuma atividade apostólica junto ao povo. Havia um entendimento comum de que essa forma de vida era considerada mais elevada e mais perfeita porque os eremitas eram aqueles que “tendo passado diuturna experiência no mosteiro, aprenderam com o auxílio de muitos a lutar contra o demônio e, treinados nas fileiras de seus irmãos para batalhas singulares do deserto, bastante firmes para dispensarem a companhia de outro, tornaram-se capazes, por meio do socorro de Deus, a sustentarem sós com a sua mão e o seu braço, a luta contra os vícios da carne e do pensamento.”[1]




A partir do século X, o eremitismo ocidental conheceu um fecundo renascimento, que, por não estar ligado às Ordens Monásticas, como ocorria tradicionalmente, desenvolveu características bem particulares. De fato, “pessoas leigas ou clérigos seculares começaram a retirar-se ao ermo diretamente, sem passar por um período de formação monástica. Vivendo em bosques e desenvolvendo como melhor podiam sua maneira própria de viver, permaneciam em contato bastante intenso com os pobres (isto é, falando, de modo geral, com sua própria classe), marginalizados, os fora-da-lei e os itinerantes sempre numerosos na Idade Média.” [2]




Diferentemente dos tradicionais eremitas monásticos, esses novos anacoretas se tornaram, com muita frequência, pregadores itinerantes “uma vez que de fato a pregação havia sido abandonada nas igrejas paroquiais e que os monges não pregavam ao povo mas somente a si mesmos.” [3] Muitos desses eremitas saíam de suas celas e, com ou sem mandato oficial, começavam a pregar, sendo bem aceitos pelo povo. No século XI, esses eremitas pregadores chegaram a exercer grande influência junto ao povo; basta recordarmos da ilustre figura de Pedro, o Eremita, o pregador da primeira Cruzada. 



     
Esse tipo de eremita itinerante e pregador, típico dos séculos XI-XII, preparou o ambiente para o eremitismo franciscano do século XIII. De fato, São Francisco de Assis viveu alternadamente no ermo e no meio do povo, pregando o Evangelho. Da sua Regra para os eremitérios, mais do que normas ou disciplinas diárias, emana um espírito de santa simplicidade e de amor fraternal que deve impregnar a vida cotidiana dos contemplativos solitários. Para o Pobrezinho de Assis, um eremitério é, de fato, “uma pequena comunidade de três ou quatro irmãos onde alguns vivem em completo silêncio e solidão contemplativa com outros que deles cuidam como suas Mães.” [4] A função dos que faziam o papel de “mães” era cuidar para que nada perturbasse o recolhimento dos demais, seus “filhos”. Porém, de tempos em tempos, os “filhos” deveriam assumir as tarefas ativas de suas “mães” para que estas pudessem também se recolher na solidão.


Carceri - Assis


O eremitismo franciscano é “profundamente evangélico e permanece sempre aberto ao mundo – embora reconhecendo a necessidade de que seja mantido certo distanciamento e certa perspectiva.” [5] Portanto, a tradição franciscana, herdeira em muitos aspectos do eremitismo não-monástico dos séculos XI-XII, não compreende a vida eremítica como afastamento total e definitivo do mundo, pelo contrário, a contemplação se abre ao mundo, dando fruto na ação evangelizadora.


 
Paz e Bem




Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.




[1] Regra de São Bento, Cap. I
[2] MERTON, Thomaz. Contemplação num mundo de ação, Vozes, Petrópolis, pg. 241.
[3] Ibidem, pg. 241
[4] Ibidem, pg.242
[5] Ibidem, pg. 245

sábado, 7 de julho de 2012

 Amizades de São Francisco:
Jacoba e Praxedes



Encontrar uma verdadeira amizade é, segundo as Escrituras, encontrar um tesouro. Na sua vida, São Francisco experimentou o significado de tão belo ensinamento. De fato, ele pôde contar sempre com a amizade de Clara, de Frei Leão, da senhora Jacoba, de Praxedes, etc.

Falaremos brevemente sobre a amizade de São Francisco com essas duas mulheres de Roma: Jacoba e Praxedes.



Jacoba de Settesogli

 No Tratado dos Milagres, o Frei Tomás de Celano nos oferece algumas informações sobre esta amiga do seráfico pai: “Jacoba de Settesogli, ilustre, seja por sua nobreza, seja por sua santidade, na cidade de Roma, merecera o privilégio de uma afeição toda particular da parte do santo” (3Celano 37,1).


Estando gravemente enfermo, e sabendo que iria morrer em breve, o pai Francisco mandou escrever uma carta à Senhora Jacoba “comunicando-lhe que se apressasse, caso desejasse ver aquele a quem tanto amara, o exilado, que estava para retornar à sua pátria” (3Celano 37,3). Antes do mensageiro sair com a carta, chega uma comitiva com a Senhora Jacoba para visitar o santo. Ele se alegrou de tal forma que disse aos frades: “Bendito seja Deus, que nos enviou o nosso irmão, Senhora Jacoba! Abri as portas e introduzi-a, pois o decreto que proíbe a entrada de mulheres não vale para Frei Jacoba” (3Celano 37,8-9).

Um detalhe importante é descrito por Celano: “Tudo quanto a carta pedia que fosse trazido para as exéquias do pai esta santa mulher o trouxera. Um pano cinza para cobrir o corpo moribundo muitas velas, um sudário para cobrir o rosto, um travesseiro para a cabeça, e mesmo algumas iguarias de que o santo gostava. Tudo o que o espírito desse homem desejara Deus havia trazido” (3Celano 38,3). O biógrafo diz que a presença desta nobre senhora “deu mais força ao santo, e havia a esperança de que ele viveria ainda um pouco mais” (3Celano 38,6).


Poucos dias depois morre o santo pai. A senhora Jacoba permaneceu até os últimos momentos ao lado do amigo querido. Frei Elias, o Vigário de São Francisco, entregou o corpo do santo para que a distinta senhora pudesse contemplar melhor aquele que se tornara imagem de Cristo aqui na terra. Disse-lhe o Frei Elias: “Eis aqui, toma nos braços, depois de morto, aquele a quem amaste quando vivo” (3Celano 39,1b). E Tomás de Celano afirma que ela, afastando o sudário, viu as cinco chagas de Cristo esculpidas na carne do bem-aventurado pai, e que esta contemplação trouxe-lhe grande consolação.




São Boaventura nos conta que São Francisco, em certa ocasião, passando por Roma, deixou um cordeirinho aos cuidados da Senhora Jacoba, e que “o cordeiro, como se tivesse sido instruído pelo santo nas coisas espirituais, ligou-se à senhora como companheiro inseparável quando ela ia à igreja, quando lá permanecia e quando retornava” (LM 8,7).



Quando visitamos o sepulcro de São Francisco, podemos ver na mesma cripta o lugarzinho onde estão os restos mortais desta santa mulher tão dedicada ao Pobrezinho de Assis.


Praxedes

O Frei Tomás de Celano também nos informa que São Francisco foi amigo de uma eremita romana, chamada Praxedes. Era uma mulher que vivia na reclusão de uma pequena cela, dedicando-se dia e noite à oração, ao silêncio e à penitência.

No Tratado dos Milagres, Celano fala brevemente sobre esta mulher e de sua relação com o seráfico pai:

“Praxedes era muito famosa, tanto entre as religiosas de Roma quanto em todo o território romano, porque desde a mais tenra idade, por fidelidade para com seu Esposo eterno, se recolhera numa cela estreita, já passados quase quarenta anos. Mereceu o privilégio de uma santa familiaridade para com São Francisco. O que este não fizera a nenhuma outra mulher, fez com ela, aceitando-a à obediência e concedendo-lhe, por piedoso devotamento, o hábito religioso, isto é, a túnica e o cordão”. (3Celano 181, 1-2).




Certo dia, sofrendo uma terrível queda, Praxedes teve vários ossos quebrados, ficando praticamente paralisada sobre o chão. Como a eremita não queria renunciar de nenhuma maneira o seu voto de perpétua clausura, mesmo sendo aconselhada por um cardeal, não aceitou a presença de outras pessoas que pudessem socorrê-la.

Então ela voltou-se para São Francisco e implorou o seu auxílio: “Ó santíssimo Pai meu, que em toda parte socorres com bondade às necessidades de tantos, que nem sequer conhecias quando vivo, por que não vens em auxílio desta infeliz, que, mesmo que indignamente, teve o privilégio da tua amizade, enquanto vivias? Realmente, faz-se necessário, como vês, ó Pai, ou mudar o meu voto, ou, então, sofrer o juízo da morte”. (3Celano 181, 8-9). Depois deste lamento, ela caiu num sono profundo e viu São Francisco que vinha até ela, dizendo: “Levanta-te, filha bendita, não temas! Recebe o dom da completa saúde e conserva inviolável o teu voto”. (3Celano 181, 11b-12). Assim, quando ela acordou, percebeu que estava totalmente curada, e pôde levantar-se e andar como antes.




Esta amizade, mesmo que descrita de forma muito breve por Tomás de Celano, parece ter sido intensa. Esta conclusão é confirmada pelas fortes expressões utilizadas pelo autor: “Mereceu o privilégio de uma santa familiaridade para com São Francisco”; e “Por que não vens em auxílio desta infeliz, que, mesmo que indignamente, teve o privilégio da tua amizade, enquanto vivias?”.



Através destes relatos podemos enxergar um santo que não teve medo dos mais nobres sentimentos humanos. Já estando liberto dos apegos egoístas, pôde cultivar nobres amizades que alegraram seu espírito até mesmo nos seus últimos instantes.

 





Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.